Adaptabilidade

Paula Filizola
3 min readMar 27, 2020

Antes de ser mãe, eu me considerava super adaptável. Mudar de cidade, de emprego, de amigos, mudar de horários. Mudar os planos, redesenhar rotas, sair da mesmice. Inclusive, diferente do que se fala por aí sobre a fama de uma escorpiana, eu nunca fui muito orgulhosa, não amarro no dedo e aceito rápido as coisas. Não sou rancorosa e perdoo. No vocabulário popular pode-se dizer que sou “fácim, fácim”.

Tirando talvez com mudanças de bairro — sou apegada nas coisas da vizinhança. Sinto falta da rua que morei por 23 anos no Rio e também do meu último apartamento em Brasília antes de casar. Mas até isso aceitei ao longo dos anos. Entendo mudanças como respostas do Universo e por isso, não adianta lamentar. Se entregar é o único jeito.

É isso: mudanças não me assustam. Elas me motivam. Mudanças de rotina são 100% adaptáveis — tirando alguns vícios tipo coca-cola que luto há anos e já me considero derrotada. Ainda assim, não é um território inóspito para mim. Um tabu ou o elefante na sala. É mais uma das coisas que faz parte do jogo da vida.

Isso tudo era bem assim até eu me tornar mãe. São 9 meses intensos de mudanças físicas e emocionais. Arriscando ser chamada de fútil, as físicas são mais dolorosas. Porque elas mexem com nosso ego. Não tem jeito. Meu cabelo ficou incrível na gravidez, mas no final me sentia um mamute. Não conseguia dormir direito, não tinha roupa que me fizesse me sentir bonita e as inseguranças emocionais são uma montanha russa.

Hoje passados 2 anos e 2 meses desde que dei a luz, eu volto a me enxergar mais. Ainda não sou 100% dona do meu corpo, pois ainda amamento minha filha. Mas tenho pensado em mim com mais cuidado e principalmente respeito. Me entendo mais, me pressiono menos e me acolho. Não diria que isso é automático. É um longo processo. Eu me desfiz inteira quando fui mãe: da minha vaidade, dos meus horários, das minhas prioridades, do meu corpo, do meu peito, das minhas vontades e aos poucos vou me remontando.

A maternidade, no entanto, não é um processo que se encerra após dar a luz ou amamentar. Apesar de considerar os primeiros anos bem revolucionários, a criação é uma construção diária. São aprendizados, reavaliações de atitudes nossas, de crenças, de tudo que um dia fez parte de nós. É uma descoberta coletiva e um apaixonar profundo.

Ainda assim têm dias que me vejo com dificuldades de encerrar o luto pelas coisas que perdi ao dar a luz. Não digo só do corpo perfeito, das corridas frequentes e rápidas, do cabelo brilhoso ou da pele sem manchas. Mais também do pensamento só meu, do coração sossegado de ser uma só e da adaptabilidade de pensar só em mim.

E falo isso sem medo do julgamento porque sim por mais da metade da vida fui uma só. E me remontar depois da maternidade não foi só fisicamente, mas foi essencialmente ressignificar tantas coisas que eu entendia como parte da minha vida e que assim aos poucos foram perdendo o sentido. Me senti nua e vazia de quem eu era.

Fui invadida por um amor desconhecido, avassalador, assustador e dolorido às vezes. Sim, é clichê demais, mas é verdade. Ser mãe é amar desesperadamente até sentir que esse amor transbordou e vive parte em outro ser.

Me dividi.

E me encontrar todos os dias nessa nova divisão tem sido a maior adaptação da minha vida.

Mas ser duas muitas vezes me ajuda a multiplicar beleza.

Por muitos anos da minha vida eu nem pensei em quem eu era, quais eram minhas bandeiras ou lutas. Eu simplesmente vivia. Talvez por ser nova, inexperiente ou por ser só eu. Certamente uma coisa boa da vida são os aprendizados.

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